Manoel Lages Rebelo, O “Avô Cuidadoso”. (Crônica)



Estive recentemente na Fazenda Caraíbas, no município de Esperantina no Piauí. Fazenda do meu falecido avô Manoel Lages Rebelo. Fazenda essa, que tive o privilégio de passar quase todas as férias da minha infância. Fui até lá para descansar e colher subsídios para o livro que pretendo escrever; uma saga familiar, onde desejo resgatar a memória dos grandes buscadores que foram os Nogueiras de Aguiar, os Ferreiras Fenelon e os Lages Rebelo, bem como contar a minha história que, direta ou indiretamente, começa neles.

Nessa estadia, reli um texto escrito pelo o meu querido tio Zeca (José do Patrocínio Nogueira) intitulado “In Memorian”, em homenagem a Manoel Lages Rebelo. Apesar de já ter lido tantas vezes, me tocou profundamente quando observei a definição dada pelo autor de que ele, Manoel, era um “Avô Cuidadoso”. Por conta disso, decidi fazer essa homenagem do ponto de vista de uma neta...


Ora, tanto o tio Zeca, quanto o ilustre conterrâneo Antônio do Rêgo Castro, em seus escritos sobre meu avô, falaram fielmente do grande homem que foi Manoel Lages Rebelo com relação a sua personalidade, o seu caráter e sua vida política. Mas nenhum deles, nem mesmo o cunhado, admirador e amigo José do Patrocínio Nogueira, puderam testemunhar como eu o quanto ele foi um “Avô Cuidadoso”.

Vejam! Nem neta de verdade eu sou, mas tenho certeza que desde que nasci fui amada por este avô. Até mesmo antes de nascer. Minha mãe foi adotada por ele, seu padrinho de batismo, e criada com a mesma austeridade e amor com que criou seus próprios filhos. Ela, minha mãe, levou seis anos para engravidar e vovô Lages, preocupado com sua aparente tristeza e também torcendo pela minha chegada, levou-a pessoalmente a grande cidade de Parnaíba para tratamento médico. Graças a isso ou a um milagre, logo minha mãe engravidou.

Quando nasci, na isolada Lagoa dos Macacos, em Esperantina, minha mãe teve complicações de parto e dores que se estenderam por longas horas. Então ele, Manoel Lages, ao ser informado da situação em que minha mãe se encontrava, montou num cavalo às pressas e rumou para Luzilândia, em busca de auxílio médico. Contam que ele partiu a galope, só parando para trocar de cavalo nas propriedades de amigos, cansando três possantes cavalos até chegar ao seu destino. Lá fretou um jipe e levou o Dr. Manoel Brito, na época o único médico disponível na região, até a Lagoa dos Macacos e, graças a sua intervenção, salvou nossas vidas. Depois do parto, já comigo nos braços, minha mãe disse-lhe que eu me chamaria Haydée em homenagem a sua filha Haydée Rebelo Fortes, já falecida. Quando ele nos viu fora de perigo, tia Almira contava que ele suspirou e disse: “Graças a Deus pude ajudar a salvá-las!”.

Quando eu tinha dois anos de idade, minha família mudou-se para Teresina. Até meus seis anos muito pouco lembro do meu avô, pois vivia cercada pelos mimos de ser filha única e pouco ia visitá-lo. Mas nessa época meu pai perdeu a visão e precisou viajar com minha mãe em busca de melhores recursos médicos no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Em conseqüência disto fiquei uma longa temporada nas Caraíbas com vovô Lages e madrinha Zilda. Depois, mesmo com a volta dos meus pais, continuei a passar todas as férias lá, até porque meus pais tiveram que enfrentar muitas dificuldades devido à cegueira definitiva do meu pai.

Apesar das dificuldades e da saudade de casa, gostava daquelas férias. Lá, junto com os netos de verdade e os filhos Edmar, Lages e Marilda e o carinho da madrinha Zilda, me criei e fui muito bem cuidada pelo vovô Lages. Como era bem magrinha ele se preocupava muito com minha alimentação. Ao amanhecer do dia ele ia levar na minha cama leite mugido com mel e esperava que eu tomasse e devolvesse o copo. Nas refeições me fazia comer acompanhada de um copo de leite gelado como se fosse suco. À noite, antes de dormir, sempre me queria ao seu lado para tomar a tradicional coalhada.

Depois do almoço ele adorava quando eu lhe fazia cafuné enquanto ele estava deitado na rede de tucum instalada na varanda. Nunca me dirigiu seus “gritos de guerra” ou sequer me falou com severidade. Sempre me tratava com atenção cuidadosa e beliscões carinhosos para ver se eu havia adquirido algum peso.

Ele sempre mostrou profundo interresse pela minha educação. Durante minha adolescência, sempre que voltava de férias, adorava me ouvir contar como havia sido meu ano, principalmente quando eu estudava na Escola Doméstica de Natal, pois ele sentia-se orgulhoso do meu progresso na educação e no comportamento.

Quando noivei, levei o Paulino para ele conhecer. Ele, depois de conversar longamente com o meu futuro marido, me chamou de lado e disse: “Minha filha, escolheste bem. Esse é um homem de verdade, que tem estudo, cultura e uma boa índole. Vocês têm a minha benção”.
Depois de casada, sempre que ia a Teresina me visitava. Conheceu a minha primeira filha, Josie, e tinha por ela a mesma atenção e carinho de avô.

Em 1980, eu e a família, fomos passar uns dias com ele, infelizmente a última temporada que passei ao lado desse amado avô. E nesse período, estávamos conversando, enquanto lhe fazia cafuné, e ele me fez prometer que nunca iria esquecê-lo e que enquanto a Fazenda Caraíbas existisse, lá deveria passar pelo menos as Semanas Santas. Quando já íamos voltar para Teresina, o Paulino ( meu marido) tirou a foto (acima), onde estou com Josie ainda bebê e ele. A foto registra com perfeição a atenção dele para conosco, pois apesar dos seus 96 anos, na época, com dificuldade de locomoção, ele ainda nos acompanhou até o carro.

Depois de 27 anos, eu e minha família continuamos, sempre que possível, passando as Semanas Santas nas Caraíbas. E até hoje sinto muitas saudades desse amado e querido avô. Cada visita às Caraíbas me traz boas recordações, além de ser prazeroso estar lá tanto pela boa acolhida quanto pela boa comida e especialmente pelo convívio com a família que tanto nos honra com sua amizade e consideração.

Assim, aqui deixo registrado o que o título “Avó Cuidadoso” significa para mim. Manoel Lages Rebelo será sempre o meu querido e amado avô. Sei que ele, esteja onde estiver, continua e continuará cuidando de mim como um grande “Avô Cuidadoso”.

Haydée Maria de Fátima Lima Ferreira

Teresina, 28 de Março de 2007.





Foto das Caraíbas em 1980 – como era a fazenda quando ainda vivia Manoel Lages Rebêlo




A Fazenda Caraíbas atualmente, ainda mais bonita e magestosa. E eu continuo com prometi ao meu avô, passando as semanas santas e outros datas por lá. Zilda Nogueira Rebelo, viúva de Manoel Lages, minha madrinha e minha avó de coração, continua morando lá, cuidada por seus filhos, genro, noras, netos e bisnetos.




Fazenda Caraíbas ( vista de outro ângulo) um lugar que ainda hoje é cheio de alegria, de fartura e aconchego familiar. Lá, parece que se mantém intacta a energia vibrante do “velho jequitibá” como bem descreveu o poeta José do Patrocínio Nogueira, sobre velho coronel Manoel Lages.

Que por essa cibernética via, possa navegar pelo espaço o amor de uma neta por um avô cuidadoso!


Haydée Ferreira


Comentários

  1. Eldina Martins Soares30 de agosto de 2009 às 05:11

    Haydée,
    Linda a crônica que fez em homenagem ao seu avô do coração! Vi ser ele o pai da Marilda,a quem conheço de longas datas e que se destaca por sua meiguice.
    Estamos torcendo por sua breve recuperação!
    Um abraço,
    Eldina

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  2. Oi Haydée! Muito grata pela visita e passei para retribuir e conhecer teu blog que é lindo! Adorei sua crônica e as imagens! Um beijo no coração!

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  3. Maria da Conceição Alves Gamoza4 de março de 2010 às 13:40

    D. Haydée, boa tarde!
    Não a conheço pessoalmente, mais muito já li da Sra. e ouvi falar.
    Fiquei encantada com as suas histórias e crônicas.
    O seu blog é lindo, nos ensina muito, (às legais e leigos). Acredito que hoje, a Sra. já tenha se recupedo totalmente e q esteja dando a esse povo maravilhoso de nossa terra, as mais lindas emoçoes.
    Encontrei por acaso o seu site/blog e me deleitei com tudo q li e vi.
    Pretendo um dia conhece-la pessoalmente;
    Estou lhe desejando toda a SAUDE e espero que a Sra.encontre só pessoas maravilhosas em seu caminho e que a faça sempre feliz.
    Um grande abraço,
    Gamozinha.

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  4. haydee, sou filho da esperança e zezinho ambos criados na fazenda caraíbas.passei muito tempo vivendo nessa fazenda.inclusive quando senhor manoel lages faleceu eu era o que ele chamava de choffer motorista. gostei bastante de sua crônica sobre o velho jequitibá intitulada de o avô cuidadoso me senti um pouco inserido no seu pensamento ou reflexão.meu nome é deusimar sou funcionário público municipal e moro em parnaguá. em julho de 2009 fizera uma visita á madrinha zilda.

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  5. Hayde
    Muito linda...sabe que meu pai tambem fez parte dessa epoca aí? ele morava em esperantina e nossas raizes tambem sairam de lá...3 irmaos meus nasceram em Esperantina dai meus pais vieram para Teresina e eu ja nasci aqui, tambem passei muitas ferias em Esperantina em casa de tios e amigos.

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  6. Tenho bastante curiosidade sobre a história de seu avô, como era a figura dele com a população de espeperantina, um homem que tantas veze presidiu a administração desta cidade. Creio que ele foi a fgura mais importante de uma cidade que não cresce mais. Quero saber como ele governava. Seu avô foi um grande homem. Parabéns pela linda homenagem. Um texto emocionante com cada letra escrita com o coração.

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  7. Adorei minha querida!! Você só falou a verdade sobre o nosso avô Manoel Lages! Eu pouco lembro dele, mas após todos os relatos que já li sobre ele, eu assino em baixo tudo que foi escrito do "Velho Jequitibá" por você que foi uma neta cuidadosa com se Avô e agora é uma Avó cuidadosa com seu netinho!!! Bjs, Gustavo Lages

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  8. Prezada Haydée, nasci bem perto da Fazenda Caraíbas e ela fez parte das minhas fábulas de infância. Meu saudoso avô Antônio Oliveira (seu Tunico) era muito amigo de seu avô. Raras eram as histórias de vaquejada em que o nome do "Coronel Manoel Lages" não fosse protagonista. Para mim, até hoje, o "coronel" é uma figura mítica, pois infelizmente não cheguei a conhecê-lo, apesar de ter frequentado a casa do Manoel Filho. Meu avô é descendente dos Amorim, minha avô, dos Rego e Machado, donos da igualmente mítica fazenda Milagres, a tal que, segundo as "estórias" de meu amado avô tinha por volta de 200 escravos só para a lida de dentro de casa e matava-se um boi por dia. Exageros à parte, só que conhece e viveu naquelas bandas sabe o quão fantástico é tudo aquilo. Eu, com a Fazenda Bananal e você com a majestosa Fazenda Caraíbas (adornada por suas lindas carnaúbas) conhecemos a felicidade ao lado de nossos velhos amados e jamais esquecidos. Minha vô hj descansa na frente da Fazenda Caraíba, no cemitério que pertencera à sua família, cemitério da floresta, com suas sepulturas de quase 300 anos. Meu avô descansa igualmente no cemitério da família, ao lado de seus antepassados que, junto com seus parentes, povoaram e engrandeceram o norte do Piauí. Bela sua crônica. Parabéns. Ivanildo Ramos Fernandes (www.observatoriouniversitario.org.br) ramos.ives@gmail.com

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  9. Tenho Descendência de Manoel Lages, ele é meu tataravô por parte de minha bisavó que é mãe de meu avô atualmente, pelo que ouvi falar foi realmente alguem muito influente, fico impressionado a cada linha que leio sobre ele, muito obrigado.

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